Natal, Reveillon, Reajuste
Por Thiago Arruda*
Todo ano, a mesma
coisa. Papai Noel, fogos de artifício e uma nova facada.
Talvez já seja hora de se incluir o honroso ato no calendário municipal
de João Pessoa. Quem sabe no dia 2 ou 3 de janeiro? Assim, a coisa fica um
pouco mais “oficial”, não é? “Dia Municipal de Reajuste da Tarifa de Transporte
Urbano”, assim conhecido entre aqueles que dele tiram proveito, e popularmente
conhecido como “Dia em que a Porcaria da Passagem Aumenta de Novo”.
Ora, se já há um “rito” de celebração desta graça, por que não? Os
empresários do transporte público, ao garantirem novos 365 dias (e 6 horas) de
extorsão coletiva, festejam em seus requintados jantares de cúpula. E eles,
todos aqueles beneficiados pelo aumento, realmente cabem numa sala de jantar.
Nosso fígado é o prato principal, e nossos (mais deles do que nossos)
governantes, seus convidados especiais (não exatamente ilustres, por seus
postos de serviçais). Tudo regado a garrafas de whisky, cujo preço individual
costuma superar o que um trabalhador médio paraibano recebe em um mês inteiro para
assegurar o sustento de sua família.
Por outro lado, há a contra-celebração desta desgraça, igualmente
tradicional: a lamentação, a indignação e sua expressão coletiva, os protestos.
Quem neste mundo, em sã consciência ou não, pode ser a favor do aumento das
passagens de ônibus? Quem, nesta cidade, pode enxergar como “razoável” ser –
qualquer outro termo é um eufemismo estúpido, injustificável e, sobretudo,
mal-intencionado – roubado? Ou, traduzindo, quem pode agradar-se ao bancar o
wiskhy de um bando de parasitas (com todo o respeito aos seres que desempenham
este papel em seus respectivos ecossistemas)? Ninguém (além dos parasitas,
claro, e dos seus capachos) pode ser favorável a tão grosseira patifaria.
A forma como se organiza o transporte público produz efeitos subjetivos
muito peculiares. Confesso que ela costuma fazer com que eu esqueça que pago, e
caro, por aquele serviço. A coisa é tão ruim que faz com que o sujeito pense
que estão lhe fazendo um favor. Ônibus lotado, ônibus que não chega, ônibus de
menos, esse é o outro lado da moeda, o reverso do wiskhy feito de ouro. É que o
whisky de ouro não pode existir sem as privações e sem a penitência diária de
quem paga por esse serviço cretinamente oferecido. Não por culpa de motoristas
e cobradores – tão vítimas do parasitismo quanto todos nós – mas por culpa
deles, os parasitas. Afinal, por que diabos alguém deve lucrar com a
necessidade alheia de ir até ali, voltar de acolá, chegar ao trabalho, à
escola, ao hospital, à casa da mamãe? E muito: lucrar, e muito. São parasitas,
sim, porque o transporte, enquanto uma necessidade, deve ser tratado como um
direito – humano – e não como um canal de transferência dos recursos dos
trabalhadores a – eles – os parasitas. Repita-se, repita-se: repita-se: parasitas.
Que se chamem pelo nome.
Mas veja: se criarmos o nosso novo feriado, quem sabe não abrimos espaço
para que a tradição ganhe ainda mais corpo? Quem sabe, daqui a alguns anos, não
sejamos visitados por isso? Quem sabe os parasitas não obtenham, no final das
contas, ainda mais dinheiro a partir do trabalho alheio? O nosso São João de
janeiro. Ônibus e mais ônibus, que coisa, trarão turistas e mais turistas, a
cada ano. “Reajustes” cada vez maiores, para que nossa “festa” seja a mais
atraente entre todas as capitais. Está lançada a proposta. Posso estar
desconsiderando a importância do elemento surpresa, tão caro aos nossos
“reajustadores”, reconheço, o “reajuste” se tornará previsível. Mas sequer
proponho alterações relativas ao período de comemoração, conveniente para que
todos sejam roubados em paz em virtude das férias escolares e dos distrativos
festejos que precedem a data. Assim procedo porque de fato não há sentido algum
em realizar um ataque frontal ao oportunismo alheio, isso seria absurdo.
Existe um reajuste necessário, relativo ao transporte público em João
Pessoa. Não o “reajuste” do preço da passagem: o reajuste do sentido do
transporte público na cidade: da mercadoria, ao direito; do lucro, à
necessidade dos pessoenses. Reajustemos, então.
*Thiago é graduado em Direito e mestrando em Direitos Humanos pela UFPB.
Comentários