| Direitos Humanos |
Um novo horizonte na questão agrária paraibana
Por
Talles Lincoln*
No
dia 24 de janeiro último, uma terça-feira, consolidou-se uma das
lutas mais importantes pela efetivação de direitos humanos na
Paraíba. Iniciada pelos idos de 1997, a disputa pela posse das
Fazendas Quirino, Olindina e Caiçara, localizadas na fronteira entre
os municípios de Ingá e Juarez Távora, interior do estado, tomou
proporções nacionais, principalmente através do Relatório de
Direitos Humanos da Paraíba, de 2009, em que o caso figurou.
Entretanto,
essa longa história de reivindicação pelo direito humano à terra
e por justiça social teve uma conclusão legítima: foi expedida
pela Justiça Federal da Comarca de Campina Grande a imissão de
posse das três fazendas (cuja área total ultrapassa os 900
hectares), que passam das mãos de seu antigo proprietário para o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O ato
cumpre determinação do acordo homologado judicialmente no dia 16 de
agosto de 2011, também na Justiça Federal de Campina Grande, na
presença das 30 famílias de trabalhadores e trabalhadoras, que
legitimamente requeriam o direito à terra em que trabalham.
O
INCRA agora se torna responsável pela regulamentação da área,
cadastramento das famílias e redistribuição dos lotes de terra. O
Assentamento Novo Horizonte, como será chamada a região
correspondente às três fazendas, agora inicia um novo passo em sua
história de resistência e transformação social. Os trabalhadores
e as trabalhadoras da região foram apoiados/as por diversas
entidades comprometidas com direitos humanos, especialmente, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha o caso desde seu
início, em 1997, e a Dignitatis – Assessoria Técnica Popular,
mais particularmente, através do advogado Noaldo Meirelles, que fez
defesa dos posseiros e posseiras na ação judicial.
Essa
trajetória de luta, entretanto, está longe de um fim. A despeito da
solução do conflito pela terra, diversas ações judiciais
criminalizantes correm na Justiça comum contra os trabalhadores e as
trabalhadoras reivindicantes. O problema da criminalização dos
movimentos sociais e das organizações populares é estrutural no
Estado brasileiro, cúmplice das elites latifundiárias. A história
do Brasil foi escrita a partir das guerras e conflitos pela posse e
domínio de seu território. As consequências desse processo
desumano civilizatório remanescem na questão agrária brasileira,
e, aqui na Paraíba, mais especificamente. Elas se revelam
principalmente na concentração de terras (no caso das Fazendas
Quirino, Olindina e Caiçara, mais de 900 hectares que passam da mão
de um proprietário para 30 famílias) e na exploração
antiecológica de seus recursos – apesar de cerca de 70% do que é
consumido nas mesas de nosso país advierem da agricultura familiar,
e não do agronegócio, que, por outro lado, ocupa mais da metade do
território agricultável brasileiro.
Ao
longo dos 15 anos de resistência, os moradores e as moradoras
enfrentaram a violência privada e institucional. Diversos casos de
agressão, ameaças, tortura, invasão domiciliar, destruição de
roçados, entre outros, somam-se como obstáculos ao processo de
conquista do direito à terra. Esses empecilhos não foram
suficientes para deter a luta, que finalmente encontra justiça.
O
Assentamento Novo Horizonte representa uma vitória no enfrentamento
às violações de direitos humanos que nosso estado ainda tem de
enfrentar. Representa também um pequeno passo na busca pelo
tratamento adequado da questão agrária na Paraíba, e no Brasil
como um todo. A reforma agrária popular exige um processo de
radicalização da democracia, que por sua vez, exigirá certo tipo
de ruptura com uma cultura política incompatível com a efetiva
justiça social.
*Estudante
de Direito da UFPB e integrante do NEP Flor de Mandacaru
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