Prisões e menoridade penal em debate: que fazer?

LATUFF

A desregulamentação da economia e a expansão da tendência neoliberal como estratégia lançada com vistas na reestruturação do Capital tem norteado historicamente os rumos das políticas estatais, sobretudo de cunho econômico, reconfigurando o perfil das políticas sociais, as quais atualmente passam por um escancarado processo de focalização, desfinanciamento, descentralização e regressão dos direitos trabalhistas adquiridos, transpondo grande parte das pautas de cunho social para instituições solidárias e iniciativas benemerentes.

Assim, os impactos dessa conjuntura incidem direta e/ou indiretamente nas condições de trabalho, nas expressões políticas e culturais, bem como na vida de diferentes segmentos da sociedade. Não obstante, o crescente reforço pela intervenção estatal no âmbito penal, sobretudo nos países capitalistas periféricos, tem se apresentado como tendência para dar conta tanto da gestão das desigualdades sociais decorrentes desse processo quanto da criminalização dos movimentos sociais e lutas operárias lançados.

Nesse sentido, “questão social” e questão criminal se entrelaçam mantendo-se no front do debate sobre a gestão da desigualdade social e criminalidade no Brasil. A exemplo disso, com a configuração do Congresso Nacional brasileiro eleito no ano de 2014, o qual tem assumido uma postura veementemente conservadora, alguns projetos de Lei passaram a ser desengavetados, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº171/93 que visa à redução da idade penal de 18 para 16 anos.

Cabe compreender que o debate em torno da menoridade é um tema frequentemente polemizado, sobretudo por meio do sensacionalismo  midiático e através das redes sociais. Não raro, sempre que um ato infracional é cometido por algum adolescente “preto”, “pobre” e “favelado” em casos que envolvam vítimas de classes mais privilegiadas, a grande mídia faz seu papel ideológico pragmático da ideia de que privar a liberdade dos que praticam algum delito se apresenta como única solução para tal problemática.

Em via de regra, apresenta-se como um dos fatores negligenciados, quando construída a proposta da redução da maioridade penal, a ilusão de que a prisão inibirá a criminalidade juvenil. Cabe destacar, com base nisso, que o Brasil é considerado atualmente, conforme o Conselho Nacional de Justiça- CNJ, o terceiro maior encarcerador do mundo, precedido pelos Estados Unidos e China – ao custodiar o montante de 711.463 indivíduos num espaço físico que denota o déficit de 354.244 vagas no total.

Faz-se necessário, inclusive, considerar o histórico de constantes denúncias de violações de direitos no âmbito prisional - deficiência do acesso à assessoria jurídica; aos atendimentos de saúde e psicossocial; às visitas íntimas, etc.- compreendendo que tais instituições mais têm atuado como ambiente propício para administrar e gerar a própria criminalidade do que dar conta das funções as quais supostamente se coloca como proponente: “ressocializar”, “reinserir”, “reintegrar” adolescentes.

E, ainda que fosse preciso valer-se do discurso de investimentos financeiros e técnicos, visando à reforma do próprio aparato prisional como medida para solucionar a situação calamitosa instaurada, é necessário considerar que dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF em 2015, cerca de 0,013% entre 12 e 18 anos cometeram algum ato contra a vida. Em contraposição, os índices de jovens vítimas homicídios se apresentam maiores, visto que entre os anos de 2006 e 2012, cerca de 30 mil indivíduos nessa faixa etária foram assassinados no país.

Com isso, é possível subentender que governar as soluções para a prática de atos infracionais entre os adolescentes através da falácia do rigor penal indica a falta de análise de que o quadro de vulnerabilidade social instaurado paulatinamente no país decorre, em grande parte (salvo as peculiaridades de alguns casos), das consequências das desigualdades sociais, as quais se exprimem através das mais variadas como da falta de acesso a serviços públicos básicos, evasão escolar, envolvimento com drogas, etc. 

Assim, negar a necessidade de uma análise do contexto histórico, social, econômico e cultural do Brasil, em sua totalidade, significa desprezar múltiplos fatores que desencadeiam a criminalidade no país, sobretudo entre adolescentes. Implica lidar com a problemática sem considerar, por exemplo, a seletividade penal, a criminalização da pobreza e, sobretudo, não reconhecer que o Estado tem atuado minimamente na defesa da garantia dos direitos sociais paralelamente, tem intervindo por meio de medidas punitivas (por vezes, arbitrárias), desconsiderando disposições legais já existentes como o Sistema Nacional de Atendimento –SINASE, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAAM.

Por fim, faz-se necessário atentar-se ao fato de que as consequências da prerrogativa do discurso de impunidade dos jovens infratores somada a uma postura de intolerância e a busca por punições mais severas são medidas que “remediam” os efeitos do problema (criminalidade juvenil), através do discurso de “lei e ordem”, do qual só reforça a lógica do encarceramento em massa para uma parcela da população jovem, negra, pobre e marginalizada. Por hora, estabelece-se a reflexão: “Enxugar gelo” ou atuar no cerne da problemática?

Autora: Shirleny de Souza Oliveira. Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas- PPGDH/UFPB.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

| Especial |

| Direitos Humanos |