Doula não é médica, nem enfermeira, doula é um direito da mulher

O debate ensejado pela iminente votação do Projeto de Lei nº 907/2015, ou Lei das Doulas, na Câmara Municipal de João Pessoa, tem girado, sobretudo, em torno de considerações a respeito dos benefícios para saúde física e emocional das mulheres no trabalho de parto, ao mesmo tempo em que mobiliza conselhos de profissionais da área da saúde acerca da viabilidade da inserção dessas agentes no ambiente hospitalar. Contudo, a questão envolve não somente considerações sobre as consequências de mais uma figura na sala de parto, mas suscita questões concernentes à saúde materna, além de direitos reprodutivos e sexuais, os quais são vastos e estão contidos não apenas na legislação brasileira - Constituição Federal, leis ordinárias e portarias de órgãos da saúde-, como também em tratados internacionais sobre Direitos Humanos, além de dispositivos éticos e administrativos que vinculam profissionais de saúde. 
 
 No Brasil, historicamente, são inúmeras as questões de direito olvidadas no atendimento a gestantes, parturientes e puérperas. O desenvolvimento da Obstetrícia no país indica o uso do corpo vivo para estudos, culminando com a perda de protagonismo feminino. Isso significa a perda da autonomia das mulheres, condenadas, muitas vezes, ao parto com dor e sofrimento, objetificadas como instrumentos do avanço da técnica, sem direito de escolha no que diz respeito aos seus próprios corpos. 
 
O direito à atenção humanizada abrange, por exemplo, a garantia de ter apoio emocional constante, informação sobre os procedimentos a serem realizados sobre o corpo, podendo decidir, sempre que possível, sobre os procedimentos, além de receber tratamento respeitoso e digno. Essas práticas são subsumidas de princípios bioéticos e de direitos humanos fundamentais, como dignidade da pessoa humana, principio da legalidade, autonomia da vontade, igualdade e não discriminação, integridade física, constantemente traduzidos em Portarias e Resoluções do Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementa e Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
 
A Lei Ordinária Municipal nº 13.061/2015, aprovada recentemente pela Câmara dos Vereadores de João Pessoa, reconhece esses direitos ao considerar como violência verbal ou física condutas como a recriminação da parturiente por qualquer comportamento, como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas; impedimento da presença de acompanhante escolhido(a) pela mulher (ainda que garantida pela Lei n. 11.108/2005); realização de procedimentos com o mero intuito de acelerar o parto por conveniência médica ou para treinar estudantes; indução da gestante ou parturiente ao parto cesáreo, quando este não se faz necessário, sem a devida explicação dos riscos a que são submetidos ela e o recém-nascido, entre outras práticas nocivas à saúde da mulher e do neonato. 
 
A humanização do parto, portanto, vai além das Doulas e requer o comprometimento de todo o Sistema de Saúde na melhoria da atenção à saúde materna, abrangendo desde a formação ética e atualizada, voltada para as necessidades da população, de profissionais da área, até iniciativas do Poder Público para a inibição de más práticas médicas. Na realidade, a inserção da doulagem nesse cenário é parte do processo, notadamente quando são observados resultados positivos desse trabalho, a exemplo do que ocorre no Instituto Cândida Vargas, em João Pessoa, no qual houve a queda do número de pedidos de anestesia desde que o a presença das doulas foi implementada, em 2011. Atualmente, essa maternidade oferece o IV Curso de Formação de Doulas Voluntárias. 
 
Outros municípios no país, como Gravataí, RS; Curitiba, PR e Sorocaba, SP aprovaram leis similares, que permitem a presença dessas agentes nos estabelecimentos de saúde, tendo em vista os benefícios do apoio emocional e físico às pacientes, a curto, médio e longo prazos, especialmente porque a doulagem representa uma alternativa simples e eficaz na redução de intervenções durante o Ciclo Gravídico-Puerperal sem, no entanto, substituir a presença de quaisquer profissionais da área de Saúde. 
 
A aprovação do referido Projeto de Lei 907/2015 pela Câmara Municipal de João Pessoa implicaria, portanto, em mais um instrumento na garantia dos direitos fundamentais das mulheres na gestação, parto, puerpério e em situação de abortamento, fomentando o protagonismo feminino e a humanização do parto e nascimento na capital paraibana. 
 



Autoria:
Herlane Barros, doula voluntária e estudante de Direito na UFPB; Suelen Gil, estudante de Direito na UFPB.

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