Banditismo por uma questão de classe!
*Samara Monteiro
Há
anos o movimento antiproibicionista luta pelo fim da “guerra às
drogas” em nosso País, e eis que finalmente está em trâmite no
Supremo Tribunal Federal um recurso que questiona a
constitucionalidade da proibição do porte de drogas para uso
pessoal, cujo entendimento será aplicado a todos os casos
semelhantes. A discussão teve início graças a um recurso
apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
representando um mecânico flagrado em posse de 3g de maconha dentro
de uma prisão em Diadema – SP, sendo portanto enquadrado no art.
28 da lei 11.340/06.
Divergindo
entre a legalização do porte de maconha ou de todas as drogas, até
então o “placar” da votação encontra-se 3x0 para a
descriminalização. A argumentação ministerial transita entre o
di-reito ao próprio corpo e respeito às liberdades individuais e a
patologização
das/os usuárias/os de drogas, desconsiderando a possibilidade do
consumo consciente.
As
atuais políticas de enfrentamento às drogas representam hoje
uma das maiores causas que legitimam o encarceramento e genocídio de
jovens negras/os e pobres – pois jovens brancas/os de classe média
continuam a consumir e comercializar drogas de maneira segura e
impune – no Brasil. A política é falha na repressão, no campo da
garantia da saúde pública e na educação para a redução de
danos, sendo eficaz somente no exercício de controle sobre as
parcelas mais marginalizadas da sociedade.
Apesar
de ser considerado um avanço no campo das políticas de drogas no
Brasil, se favorável, esta decisão servirá para confirmar algo que
já sabemos de fato: que é a população preta, pobre e periférica
que vai continuar a pagar a conta pelo “direito constitucional ao
prazer” da classe média branca. Ao descriminalizar o porte para
consumo pessoal sem problematizar as estratégias de enfrentamento no
que tange ao tráfico de drogas, a cúpula do Poder Judiciário
ratifica o que as manchetes não conseguem mais esconder: a guerra às
drogas tem classe e tem cor.
Esta
discussão não pode ser feita sem relacionar a atuação
discricionária dos agentes do Estado no
momento de diferenciar usuárias/os de traficantes com o racismo
institucional que estrutura e é estruturado por estas relações de
cunho militarista. Neste quadro, como regulamentar o acesso a um bem
que não dispõe de uma fonte segura? Como garantir que jovens
negras/os não sejam arbitrariamente enquadradas/os como traficantes
e portanto suscetíveis ao poder punitivo do Es-tado, enquanto jovens
brancas/os nas mesmas condições são lidos como usuárias/os? A
atual discussão do STF ainda não passa nem perto destas respostas.
Enquanto
a política de drogas não acabar com o tráfico, a pena de morte
será lei diante do extermínio de negras e negros. É o tráfico de
drogas que mata todos os dias crianças, trabalhadoras/os, estudantes
sem que essa dor sensibilize ninguém, porque suas vidas valem pouco
ou nada. O saldo são Cláudias arrastadas em carros da PM, Amarildos
desaparecidos, autos de resistência forjados, negras
violentadas na revista íntima nos presídios, recrudescimento penal,
internação compulsória de usuárias/os e encarceramento da
juventude, sem que a mídia trans-forme tudo isso em prioridade para
a segurança pública. Descriminalizar o uso de drogas é proteger a
classe média, e embora seja um passo inicial para repensarmos as
estratégias e políticas de drogas no Brasil, não permite sanarmos
o Apartheid social e racial que permeia este debate. O tráfico de
drogas ainda é senzala.
Comentários